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História Real

06/03/2017 - 10:27 | atualizado em 30/06/2020 - 14:27

Benedito Said

Uma das mais belas exposições literárias de Odisseia está no canto XIX, quando Ulisses regressa à casa e Euricleia, sua antiga ama, e ela o reconhece por uma cicatriz na coxa. O Odisseu voltara da Guerra de Troia para os braços de sua Penélope, mas para quem não queria se revelar ainda. Penélope esperou o amado, o esperou em resistência profunda e manifestação de amor pétreo. Penélope é o amor que não se cansa de esperar, mito grego de resistência, como também resistiu Ulisses às intempéries da vida e do existir. Somos todos, deuses e heróis de nossa própria história.

A mitologia grega, repleta de lendas históricas e contos sobre deuses, deusas, batalhas heroicas e jornadas no mundo subterrâneo, revela-nos a mente humana e seus meandros multifacetados. Atemporais e eternos, os mitos estão presentes na vida de cada Ser Humano, não importa em que tempo ou local. No retorno de Ulisses, a própria Penélope ordena que, como era primeiro sinal de hospitalidade, que seus pés fossem lavados. Euricleia procura água fria para misturar à água quente, enquanto fala tristemente do senhor ausente, que poderia ter a mesma idade do hóspede. Que talvez agora estivesse vagueando como um pobre forasteiro.

 Assim são as lutas diárias de todos. Uns assombrados pelos próprios assombros que constroem contra si, como é comum em atos insanos de violência, corrupção, autoflagelo em drogas, lascívia prostituta. Outros, em guerra pela libertação, em Troia ou em Montes Claros, atuam fortemente para o bem coletivo, mão estendida ao semelhante, com ou sem mandato, público ou privado, individual ou coletivo. É fazer o melhor. Depois voltar para casa, mesmo com cicatrizes, mas para ser acolhido em amor resistente e história, um legado, para contar aos que virão depois.

Quando uma sociedade não tem ideal a seguir e perseguir, principalmente quando se desvinculada ao mérito de servir, há um vazio de tal grandeza que não haverá nem nobreza quando vier o povir, tempo de voltar para casa. Vale para a faina na loja, na indústria, no campo, no clube, na sala de aula, na internet. Etimologicamente, a palavra “trabalho” em latim é labor. A ideia de tripalium aparecerá dentro do latim vulgar como sendo, de fato, forma de castigo. Os gregos denominavam isso de poiesis, que significa minha obra, aquilo que faço, que construo, em que me vejo. Noutras palavras, “a minha criação”, minha participação no mundo. E isso é feito pela pessoa inteira, o que lembra integridade, princípio ético, articula Cortella, para não se apequenar a vida, que já é muito curta.

As embarcações romanas, na Antiguidade latina, tinham como tripulação o que eles chamavam de companhia. Nasce do latim, de uma junção de cum, pan, ia, que mais ou menos significava “vão com o mesmo pão”. No centro da construção está a palavra pão. Companhia tornou-se “aqueles que repartem o pão”. Em tempos de crise, quando devemos aprender mais em busca de soluções, também é fator primordial que se saiba ser companheiro ou companheira, aquele que repartirá o pão com você na direção do futuro.

 Qual futuro? O da história de nobreza a ser contada quando chegar o tempo de voltar para casa, para os braços de Penélope ou para o banho de descanso do dever cumprido.  Mesmo que haja cicatrizes. Até mesmo cicatrizes oriundas de embate para exemplificar como é dividir o pão, ser um companheiro de caminhada não egoísta, já que o Céu é o limite a ser perseguido. Alguns acham, no entanto, que o Inferno é mais perto e tem até atalhos para quem deseja chegar primeiro.

Em latim, creator é criador, mas também serve para designar fundador, autor. Creatrix é criadora, mas também mãe. Por isso, há discussão a partir do verbo criar e seus sentidos, quando se pode designar autor ou mesmo construtor de vidas, que fez a criação, que educou, formou, realizou. Já foram criados (e ainda são criados), em todos sentidos que a etimologia do verbo criar permite, muito monstros, como também muitas vidas deram asas a realizações para o bem da humanidade. Pode ser pequena obra, até mesmo mínima dentro do seio familiar, não importa. Mas houve um legado, história para ser contada aos que viram após.

Res significa coisa. Realismo é estudar a coisa, a matéria em sentido amplo. Confundem tempo e espaço. Muitos querem no tempo em que vivem o espaço que merecem (ou não). Vaidade temporal. Voláteis, como todos nós, menos as pedras que se encontram, se esquecem do amanhã. Daí faltar-lhes história para contar aos que virão ou aos que estão ao derredor agora. Tanto assim, que o romance Frankenstein de Mary Shelley, como Moderno Prometeu, tem trocas de personagens no tempo de hoje. Entendem que Frankenstein é o monstro, quando na verdade é o criador do monstro. O criador e a criatura. Nada de ser coisa. Nada de ser monstro. É ser criador para o bem, inclusive através da educação, aquela que nasce a partir do berço, mesmo quando o berço é estalagem bem pequena, modesta, no entanto, cheia de amor, cordão umbilical eterno a alimentar o ser vivente com o néctar do Espírito Santo da maternidade divina. Volta para o limite que deve ser comum, o Céu.

Imagem: Site Cola da Web

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